Decisão TJSC

Processo: 5061465-36.2025.8.24.0023

Recurso: Recurso

Relator: Desembargador SÉRGIO RIZELO

Órgão julgador:

Data do julgamento: 18 de novembro de 2025

Ementa

RECURSO – Documento:6983020 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Recurso em Sentido Estrito Nº 5061465-36.2025.8.24.0023/SC RELATOR: Desembargador SÉRGIO RIZELO RELATÓRIO Na Comarca da Capital, nos autos da Ação Penal 5090776-09.2024.8.24.0023, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra Andriws Alexandre da Silva Padilha, A. B. P. e David Vaz do Amaral, imputando-lhes a prática do crime previsto no art. 121, § 2º, II e IV, c/c o 14, II, ambos do Código Penal (evento 1, DOC1). Concluída a instrução preliminar, o Doutor Juiz de Direito pronunciou A. B. P. pelo cometimento, em tese, do delito previsto no art. 121, § 2º, II, do Código Penal, e desclassificou a imputação à da prática de delito diverso quanto a Andriws Alexandre da Silva Padilha e a David Vaz do Amaral, desmembrando, no tocante a eles, os autos (evento 302, DOC1 e evento 322, DOC1).

(TJSC; Processo nº 5061465-36.2025.8.24.0023; Recurso: Recurso; Relator: Desembargador SÉRGIO RIZELO; Órgão julgador: ; Data do Julgamento: 18 de novembro de 2025)

Texto completo da decisão

Documento:6983020 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Recurso em Sentido Estrito Nº 5061465-36.2025.8.24.0023/SC RELATOR: Desembargador SÉRGIO RIZELO RELATÓRIO Na Comarca da Capital, nos autos da Ação Penal 5090776-09.2024.8.24.0023, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra Andriws Alexandre da Silva Padilha, A. B. P. e David Vaz do Amaral, imputando-lhes a prática do crime previsto no art. 121, § 2º, II e IV, c/c o 14, II, ambos do Código Penal (evento 1, DOC1). Concluída a instrução preliminar, o Doutor Juiz de Direito pronunciou A. B. P. pelo cometimento, em tese, do delito previsto no art. 121, § 2º, II, do Código Penal, e desclassificou a imputação à da prática de delito diverso quanto a Andriws Alexandre da Silva Padilha e a David Vaz do Amaral, desmembrando, no tocante a eles, os autos (evento 302, DOC1 e evento 322, DOC1). Insatisfeito, A. B. P. deflagrou recurso em sentido estrito (evento 333, DOC1). Nas razões recursais, requer sua absolvição sumária, devido a de haver agido abrigado pela legítima defesa. Subsidiariamente, pretende a desclassificação da imputação, por ausência de animus necandi. Por fim, pugna pelo afastamento da circunstância qualificadora do motivo fútil (evento 333, DOC1). A. B. P. ofereceu contrarrazões pelo conhecimento e desprovimento do reclamo (evento 353, DOC1). A decisão resistida foi mantida pelo Juízo de Primeiro Grau (evento 4, DOC1). A Procuradoria de Justiça Criminal, em parecer lavrado pelo Excelentíssimo Procurador de Justiça Francisco Bissoli Filho, manifestou-se pela necessidade de intimação pessoal da Vítima acerca da decisão de pronúncia e, quanto ao mérito, pelo desprovimento do reclamo (evento 12, DOC1). VOTO Quanto à preliminar aventada pela Procuradoria de Justiça Criminal, primeiro repisa-se que a ausência de intimação do Ofendido a respeito da pronúncia não é causa de nulidade (STJ, AgRg no AgRg nos EDcl no AREsp 961.417, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 18.4.17), e nada obsta que seja feita a posteriori. Segundo, há que se destacar que no caso concreto houve a intimação, mesmo que não pessoal, da Vítima quanto à decisão de pronúncia, na pessoa de seu Excelentíssimo Advogado, visto que atuante ela como Assistente de Acusação (evento 325), de tal forma que se torna segura a constatação da total inocorrência de prejuízo pela falta da providência antecipada a este julgamento. Superado isso, verifica-se que o recurso preenche os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, razão pela qual deve ser conhecido. No mérito, cabe dar-lhe apenas parcial provimento. 1. A absolvição sumária pretendida é inviável de ser proclamada. Há prova da materialidade dos fatos, positivada nos boletins de ocorrência e nos relatórios de investigação do processo 5075231-30.2023.8.24.0023/SC, evento 1, DOC1; no laudo pericial do local dos fatos, do processo 5075231-30.2023.8.24.0023/SC, evento 1, DOC6; no prontuário médico e no laudo pericial de lesões corporais indireto correspondente, no processo 5075231-30.2023.8.24.0023/SC, evento 13, DOC2 e no processo 5075231-30.2023.8.24.0023/SC, evento 18, DOC1; e na prova oral, até então unânime quanto à ocorrência de lesão à Vítima V. F. E., por disparo de arma de fogo, havendo ao menos um projétil atingido e transfixado sua perna, na data constante na denúncia. A divergência, no ponto, até o presente momento processual, encontra-se na descrição da dinâmica do ocorrido, que se confunde com a alegação da configuração da legítima defesa, por parte de A. B. P., de tal modo que superado este requisito ao seguimento processual. Da mesma forma, há indícios de autoria de referidos fatos, visto que é também incontroverso na prova oral, por ora, que A. B. P. e os Coacusados (impronunciados, em razão da desclassificação da imputação quanto a eles, devido ao descarte da prova do dolo diante do aparente arrependimento voluntário de suas partes, como consta no evento 302, DOC1) estiveram no local do ocorrido na noite em questão, protagonizando aquele, em tese, enfrentamento com o Ofendido V. F. E., do qual resultou lesão a este. Divergem, novamente, os relatos, porque o Recorrente e os Coacusados sustentam a ocorrência de legítima defesa (dizendo A. B. P., ademais, que a arma de fogo instrumento da lesão, que estaria em posse do próprio Ofendido, disparou acidentalmente, enquanto tentou retirá-la da mão dele); ao passo que a Vítima e demais Testemunhas asseveram que ela encontrava-se desarmada na ocasião, e que foi agredida pelos Acusados, havendo o ora Recorrente acionado propositalmente a arma de fogo visando a atingi-la. Como "a fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação" (CPP, art. 413, § 1º), e a existência de duas versões para os fatos não é suficiente para impedir a manutenção da decisão de pronúncia (v. por exemplo, RESE 0001078-63.2018.8.24.0031, Rel. Des. Norival Acácio Engel, j. 4.12.18 e RESE 0008846-68.2011.8.24.0004, Relª. Desª. Salete Silva Sommariva, j. 11.4.17), é também cumprido o requisito da existência de indícios suficientes de autoria para que se siga à próxima fase procedimental. Dito isso, e pela mesma razão, não há como acolher o pleito de reconhecimento da ocorrência da excludente de ilicitude da legítima defesa. É que, de acordo com o art. 415 do Código de Processo Penal, há possibilidade de absolvição sumária quando "demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime", verificando-se, pela própria dicção do texto legal, que, para tanto, esteja cabalmente comprovada tal hipótese. Eugênio Pacelli de Oliveira adverte: Como a regra deve ser a manutenção da competência do Tribunal do Júri, as hipóteses de absolvição sumária reclamam expressa previsão em lei e o firme convencimento do julgador, pois a aludida decisão terá de se arrimar no grau de certeza demonstrado pelo juiz, seja quanto à matéria de fato, seja quanto às questões de direito envolvidas. A absolvição sumária é, pois, uma decisão excepcional, daí por que deve exigir ampla fundamentação (Curso de processo penal. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2019. p. 737). O Superior também delibera que "só é cabível a desclassificação quando houver prova inconteste e que permita juízo de convicção pleno de que o crime cometido é diverso daquele apontado na denúncia" (RESE 0000145-35.2016.8.24.0072, Rel. Des. Carlos Alberto Civinski, j. 6.2.20). No caso, há elementos de prova que indicam, em tese, que A. B. P. agiu imbuído de animus necandi, estando consubstanciados, em suma, nas palavras da Vítima V. F. E., que rememorou que não só foi atingida por disparo de arma de fogo, mas continuamente agredida fisicamente inclusive com o uso de um facão, dizendo o Recorrente, a certo ponto, "que ia me matar, me picotear e depois quando ele pegou o facão que ele botou na minha cabeça ele falou que ia me picotear", e intentando efetuar novo disparo em direção à sua cabeça, mas sem sucesso, seja por falha da arma, seja por falta de munição (evento 264, DOC1); no que foram reforçadas pelos dizeres de Rafael Antônio Oliveira Fernandes, que asseverou haver-lhe sido revelado pelo Ofendido que a arma em tese portada pelo Recorrente teria falhado, ao tentar atingi-lo na cabeça (evento 264, DOC1). Aliás, a própria seleção do armamento utilizado à agressão da Vítima (se acatada a versão acusatória dos fatos), por sua potencialidade letal, serve de indício à existência da intenção homicida, ainda mais se acompanhada de perseguição à Vítima já ferida, e de agressão física constante contra ela (novamente apontada a grande quantidade de pegadas ensanguentadas pela casa do Ofendido, e a constatação do arrombamento da porta do imóvel, no processo 5075231-30.2023.8.24.0023/SC, evento 1, DOC6); supostamente apenas interrompida pela falha da arma de fogo, a insistência dos Coacusados para que o Recorrente cessasse as agressões, e o socorro eficaz a V. F. E.. Esses elementos de prova revelam, ainda que de forma sumária, a existência de indícios do dolo de matar. 3. Há que se afastar da pronúncia, todavia, a circunstância qualificadora do motivo fútil (CP, art. 121, § 2º, II). É verdade que a doutrina aponta que, na fase da pronúncia, as circunstâncias qualificadoras "só podem ser excluídas quando manifestamente improcedentes, sem qualquer apoio nos autos" (MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código de processo penal interpretado. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 921). Porém, no caso, a denúncia não esclarece, nem minimamente, o motivo que deu origem às desavenças anteriores entre a Vítima e o Recorrente (ou entre ela e o filho deste), e a ausência de descrição da causa dessas contendas anteriores não permite aferir que há desproporção entre tais discussões prévias e a prática delitiva. Vitor Eduardo Rios Gonçalves, ao discorrer sobre o motivo fútil, elucida: Fútil é o motivo pequeno, insignificante. Trata-se do homicídio caracterizado pela completa falta de proporção entre o ato homicida e sua causa. Já se reconheceu essa qualificadora quando o pai matou o filho porque este chorava, quando o motorista matou o fiscal de trânsito em razão de multa aplicada, quando o patrão matou o empregado por erro na prestação do serviço, quando o cliente matou o dono do bar que se recusou a servir-lhe mais uma dose de bebida etc. Caso exista prova de que determinada pessoa matou outra, mas não seja possível identificar a motivação, torna-se inviável a aplicação da qualificadora em análise, que pressupõe prova efetiva de um motivo fútil qualquer. Não se pode presumir a ocorrência de uma motivação fútil, que, conforme mencionado, deve ser provada. No entanto, se o agente confessar que matou sem qualquer motivo, pelo simples prazer de eliminar uma vida humana, incorrerá na qualificadora do motivo torpe. A doutrina é unânime em asseverar que o ciúme não pode ser sempre interpretado como um motivo pequeno, pois, para quem o sente, trata-se de sentimento forte. A regra vale para ciúme entre marido e mulher, namorados, filhos em relação aos pais e vice-versa etc. É preciso, contudo, que esse entendimento seja encampado de forma relativa, pois existem situações em que o agente mata o parceiro apenas porque "olhou para o lado", não sendo viável excluir-se a qualificadora em tal hipótese em que é evidente a desproporção entre o crime e a causa. Não se reconhece a qualificadora do motivo fútil quando a razão do homicídio é uma forte discussão entre as partes, ainda que o entrevero tenha surgido por motivo de somenos importância. Neste último caso, o móvel do delito é a troca de ofensas, e não a sua causa inicial (Curso de direito penal: parte especial (arts. 121 a 183). Volume 2. 3. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019. p. 69-70). O Superior TRIBUNAL DE JUSTIÇA Recurso em Sentido Estrito Nº 5061465-36.2025.8.24.0023/SC RELATOR: Desembargador SÉRGIO RIZELO EMENTA RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO PELO MOTIVO FÚTIL E PELO EMPREGO DE RECURSO QUE DIFICULTOU OU IMPOSSIBILITOU A DEFESA DO OFENDIDO (CP, ART. 121, § 2º, II E IV, C/C O 14, II). DECISÃO DE PRONÚNCIA. RECURSO DO ACUSADO. 1. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA (CPP, ART. 415). LEGÍTIMA DEFESA (CP, ART. 25). RETORSÃO A AGRESSÃO ATUAL OU IMINENTE. 2. DOLO. INTENÇÃO HOMICIDA. DECLARAÇÕES DO ACUSADO NO MOMENTO DO DELITO. CIRCUNSTÂNCIAS DO FATO. 3. MOTIVO FÚTIL (CP, ART. 121, § 2º, II). DESENTENDIMENTOS E CONTENDAS ANTERIORES. 1. É inviável a proclamação da absolvição sumária em decorrência da legítima defesa se, de acordo com a vítima e informantes, o acusado atingiu o ofendido enquanto este encontrava-se só e desarmado, e inclusive em fuga, depois de atingida por disparo de arma de fogo. 2. Se a vítima declarou que o acusado, durante a prática delitiva, afirmou ter a intenção de matá-la, mas não conseguiu fazê-lo em razão da falha da arma de fogo; o que foi repetido por informante; constatando-se, também, que o acusado, em tese, continuou a golpear a vítima mesmo quando indefesa, utilizando-se, para isso, de arma potencialmente letal; não é manifesta a ausência de animus necandi e não é devida a desclassificação da imputação de crime doloso contra a vida na fase de pronúncia. 3. Não havendo descrição mínima na denúncia e nem elementos de prova que indiquem o motivo dos desentendimentos anteriores entre acusado e vítima, deve ser decotada, da decisão de pronúncia, a circunstância qualificadora da futilidade, porque não há elementos aptos para aferir se existiu desproporção entre o motivo e o comportamento. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 2ª Câmara Criminal do decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento, apenas para afastar da decisão de pronúncia a qualificadora do motivo fútil (CP, art. 121, § 2º, II), nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Florianópolis, 18 de novembro de 2025. assinado por SÉRGIO RIZELO, Desembargador Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 6983021v10 e do código CRC 803a4c46. Informações adicionais da assinatura: Signatário (a): SÉRGIO RIZELO Data e Hora: 11/11/2025, às 15:30:16     5061465-36.2025.8.24.0023 6983021 .V10 Conferência de autenticidade emitida em 16/11/2025 12:38:22. Identificações de pessoas físicas foram ocultadas Extrato de Ata EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL - RESOLUÇÃO CNJ 591/24 DE 11/11/2025 A 18/11/2025 Recurso em Sentido Estrito Nº 5061465-36.2025.8.24.0023/SC RELATOR: Desembargador SÉRGIO RIZELO PRESIDENTE: Desembargadora HILDEMAR MENEGUZZI DE CARVALHO PROCURADOR(A): ARY CAPELLA NETO Certifico que este processo foi incluído como item 77 na Pauta da Sessão Virtual - Resolução CNJ 591/24, disponibilizada no DJEN de 27/10/2025, e julgado na sessão iniciada em 11/11/2025 às 00:00 e encerrada em 11/11/2025 às 15:27. Certifico que a 2ª Câmara Criminal, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão: A 2ª CÂMARA CRIMINAL DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER DO RECURSO E DAR-LHE PARCIAL PROVIMENTO, APENAS PARA AFASTAR DA DECISÃO DE PRONÚNCIA A QUALIFICADORA DO MOTIVO FÚTIL (CP, ART. 121, § 2º, II). RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador SÉRGIO RIZELO Votante: Desembargador SÉRGIO RIZELO Votante: Desembargador NORIVAL ACÁCIO ENGEL Votante: Desembargadora HILDEMAR MENEGUZZI DE CARVALHO RAMON MACHADO DA SILVA Secretário Conferência de autenticidade emitida em 16/11/2025 12:38:22. Identificações de pessoas físicas foram ocultadas